Wednesday, February 01, 2012

Eu saio de casa afim de renovar os ares, ver a vida na rua. No alto das 15h37, horário escancarado no relógio - que checo sem muita animação inclinando com esforço a cabeça, antes enfiada no travesseiro, para o lado - tomo a decisão. Preciso que o tempo trabalhe, reorganize minhas impressões, me devolva a serenidade.

Decido então que quanto mais vida melhor, e saio para onde possa admirar a vida acontecendo. Já fora de casa, me inclino sobre um parapeito de onde observo algumas crianças se divertindo. Lindas, falam, correm, sorriem. Nem sabem o bem que me trazem em sua espontaneidade.

Me sento, para ler, se fumasse (e se o prefeito deixasse) acenderia um cigarro, vício companheiro como citaria minha mãe dia desses. As páginas ensolaradas, o livro contagiado pelo dia lindo que se oferece ao meu redor. Sinto seu calor, a grama, quando tiro os sapatos. Por que não me contagio também?

Todos os elementos que me rodeiam parecem querer devolver-me qualquer coisa que se perdeu ontem. Até o livro, esforçado, ocupa minha cabeça em crônicas transbordadas de vida e filosofia (algumas vezes propositalmente botequeira).

Como. O suco de laranja desce minha garganta e é como se eu tivesse pulado de cabeça numa cachoeira em dia de verão. Continuo a leitura, mas por que é que a figura dela, tomando esse mesmo suco outro dia, segurando o copo com as pontas dos dedos das duas mãos se confunde às linhas?

Quando me propus a arriscar-me assim, me expor dessa forma, só para viver intensamente, imaginava o tamanho da queda. Beijei beijos que desabaram sem medo em pélagos profundos, como sugeriu Baudelaire. Ou dei pra sonhar, rompi com o mundo, queimei meus navios, como canta Chico Buarque. Eu sabia que a queda seria certa, irremediavelmente dolorosa. Que as lembranças seriam angustiantes. Mesmo assim, mesmo assim eu aceitei os termos.

Estava tudo lá, escancarado, clarinho clarinho. Cláusula em letras garrafais garantindo o meu sofrimento. Mas, se as citações ainda são bem vindas por aqui, empresto as palavras de Ferreira Gullar e afirmo que da mesma forma que me abri para a alegria, que dela fui ao fundo, abro-me agora para o sofrimento, seu avesso ardente e fruto dela. E completo: a vida só consome o que alimenta.

0 Comments:

Post a Comment

<< Home